Doença separa famílias e cria ‘órfãos da hanseníase’

Doença separa famílias e cria ‘órfãos da hanseníase’

Fã do cantor Roberto Carlos, a auxiliar de limpeza Rita Evangelista, 53 anos, sorri ao revelar sua música preferida. É “Calhembeque”, da época da Jovem Guarda. Ela gosta também das canções românticas, mas o iê iê iê está na frente.Falar de música é um refresco para a mulher que tem a vida marcada por uma separação dramática. Ela nasceu no antigo Asilo-Colônia Aymorés, do Instituto Lauro de Souza Lima, filha de pais portadores de hanseníase. Logo foi retirada dos braços da mãe e levada para um educandário em Jacareí, no Vale do Paraíba, onde ficou até os 6 anos. A permanência de crianças era proibida na colônia e Rita foi obrigada a passar os primeiros anos de sua infância longe dos pais. Quando a mãe teve alta, foi buscá-la. As duas viveram juntas apenas alguns meses. Lídia, uma morena bonita e vaidosa, sofreu recaída e voltou a ser internada na colônia. Morreu pouco depois. Até hoje Rita chora ao contar sua história. “Fiquei muito pouco tempo ao lado dela”, lamenta. “Isso marca a gente. Não tive o carinho de mãe”.Na época, os portadores de hanseníase eram isolados da sociedade enquanto recebiam tratamento. Crianças nascidas nos asilos-colônias, conhecidos como leprosários, eram levadas para os educandários, onde cresciam até ser resgatadas pelas famílias ou adotadas. Outras viram os pais serem arrancados de casa por causa da doença e ficaram anos sem contato.CampanhaSão esses filhos separados dos pais que o MORHAN (Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase) cadastra por meio de uma campanha nacional. O objetivo é fazer uma mobilização para que essas pessoas sejam indenizadas pelo governo federal, a exemplo do que já acontece com os portadores de hanseníase internados compulsoriamente até  1986 e que foram beneficiados por pensão mensal de R$ 750.Os filhos separados dos pais devem preencher um formulário preparado pelo Morhan para que suas situações sejam analisadas e a mobilização ganhe força.A entidade já cadastrou cerca de duas mil pessoas – 15 são de Bauru.Rita está entre eles e comove todos que ouvem sua triste saga de menina que não pode ter a mãe ao lado.Ela tem poucas lembranças dos poucos meses em que viveu ao  lado de Lídia, mas o fato de a mãe estar sempre bem arrumada nunca saiu de sua cabeça. A única filha da auxiliar de limpeza, Cristiane, 23, herdou da avó que nunca conheceu o jeito vaidoso. Rita olha para a filha e revê a mãe perdida. O segundo marido dela, João Soares da Silva, também teve hanseníase e, a exemplo dos sogros, precisou afastar-se da família durante o tratamento.A vida já foi cinza e, talvez por isso, eles hoje moram numa casa colorida e lotada de fotos e imagens de santos, no bairro Santa Terezinha, ao lado da antiga colônia. O próprio João pintou os cômodos da casa de azul, amarelo, vermelho…Elias veio do Acre e é um dos líderes do movimentoLibanês, o pai de Elias de Souza Freitas, 74, gostava de contar para os quatro filhos as histórias da coleção “As 1001 noites”. “Posso dizer sem medo de errar: meu pai foi um sábio”, orgulha-se. As longas conversas com o pai no Acre, onde nasceu, deram a base para Elias enfrentar a doença que o atingiu quando já morava em São Paulo e trabalhava na antiga TV Excelsior, onde atuou na produção.Portador de hanseníase, aos 37 anos precisou se internar no asilo-colônia de Bauru. Ficou cinco anos sem colocar os pés na rua. Morava num pavilhão, com outros doentes. Depois, ganhou autorização