Morhan expõe irresponsabilidade do governo Bolsonaro com a pandemia em evento associado à Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU
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A morte de um adolescente com hanseníase, uma doença curável, também foi lembrada durante o evento como resultado de negligência estrutural
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“E daí? Não sou coveiro. Não fiquem assustados, essas frases não são minhas. Ou melhor: fiquem assustados quem nunca as ouviu. Quando perguntado sobre a situação da pandemia de covid-19 no Brasil em diversas ocasiões, essas foram algumas das respostas dadas pelo maior chefe de estado da nossa nação, o presidente da República, deixando uma grande parte da população perplexa com tantos absurdos”. Este é um trecho do início do discurso do vice-coordenador nacional do Movimento pela Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Faustino Pinto, realizado nesta sexta-feira (18) diante missões diplomáticas de quatro países e organizações de pessoas afetadas pela hanseníase do mundo todo.
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O Morhan foi um dos integrantes do evento sobre direito ao trabalho realizado por ocasião da 14ª Sessão da Conferência dos Estados Partes da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CRPD/CDPD). Além do vice-coordenador nacional, os voluntários Patrícia Gonçalves (Vitória da Conquista/BA), Francilene Mesquita (Teresina/PI) e João Victor Pacheco (Cuiabá/MT) também participaram do evento falando sobre os desafios enfrentados pelas pessoas afetadas pela hanseníase para acessar o direito ao trabalho.O evento foi organizado pela Sasakawa Health Foundation (SHF) e Disable Peoples International (DPI) e contou com a participação das missões permanentes de Japão, Índia, Portugal e Brasil, em Genebra, além do discurso da Relatora Especial da ONU para o tema da hanseníase, Alice Cruz.
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Em seu discurso, Faustino expôs inúmeras falas e atos truculentos do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia, além de denunciar a ausência de políticas públicas robustas de proteção social para enfrentar a crise humanitária que se impõe. Ele apontou o trabalho de ONGs e movimentos sociais que têm buscado preencher as lacunas dessa ausência de políticas, como é o caso do Morhan e da Sasakawa Health Foundation que têm mantido programas de acompanhamento e distribuição de cestas básicas para famílias de pessoas afetadas pela hanseníase em situação de vulnerabilidade.
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O dirigente também comentou sobre a vitória jurídica do movimento, que garantiu na Justiça Federal que o governo não pode negar auxílio emergencial às pessoas afetadas pela hanseníase que foram segregadas compulsoriamente no passado – o que vinha acontecendo.
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Antes de terminar, Faustino fez uma última denúncia. Ele divulgou a morte, ocorrida nesta semana, de um adolescente de 15 anos, em consequência de lesões desenvolvidas por falta de acesso ao diagnóstico e tratamento oportunos para hanseníase. “Um adolescente de 15 anos perder a vida por complicações de uma doença curável é um crime”, afirmou.
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Confira a íntegra do discurso de Faustino Pinto abaixo, ou assista ao vídeo aqui.
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“Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria, ou seria acometido, quando muito, de uma gripezinha ou resfriadinho”
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“Essa é uma realidade, o vírus tá ai, vamos ter que enfrenta-lo, mas enfrentar como homem, porra, não como moleque, vamos enfrentar o vírus com a realidade, é a vida, todos nós iremos morrer um dia”
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“E daí? Lamento, quer que eu faça o que? Eu sou Messias, mas não faço milagres”
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“No que depender de mim, não teremos lockdown”
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“E daí? Não sou coveiro”
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Não fiquem assustados, essas frases não são minhas. Ou melhor: fiquem assustados quem nunca as ouviu. Quando perguntado sobre a situação da pandemia de covid-19 no Brasil em diversas ocasiões, essas foram algumas das respostas dadas pelo maior chefe de estado da nossa nação, o presidente da república, deixando uma grande parte da população perplexa com tantos absurdos, em estado de pânico. Quero dizer, a parte sensata do nosso país, porque ainda há quem apoie essa truculência e a irresponsabilidade do presidente frente à catástrofe mundial que ainda enfrentamos.
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No Brasil se instalou o caos, transformaram a pandemia em política partidária, e enquanto os políticos ainda brigam por poder, a população padece em meio a fome, desemprego, falta de assistência médica e hospitalar, pessoas morrem às centenas, milhares, hoje temos aproximadamente 500 mil pessoas mortas pela covid-19 no Brasil.
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Na ausência de uma política nacional robusta em relação à garantia de subsistência em meio à crise, os movimentos sociais e as organizações não governamentais tiveram que preencher lacunas. O Morhan fez isso junto com a Sasakawa Health Foundation por um período, em várias cidades do Brasil, e pudemos dar algum apoio a centenas de famílias de pessoas afetadas pela hanseníase em situação de vulnerabilidade, com cestas básicas de alimentos, acompanhamento e produtos de higiene através de projetos emergenciais. Pudemos ver de perto o sofrimento de algumas pessoas que não podiam trabalhar por medo de se contaminar, e consequentemente morrer de covid-19. Durante meses pudemos manter essas pessoas em casa e protegidas, mas é preciso continuar cobrando do governo políticas mais eficazes que possam atender aos anseios da população no que diz respeito ao trabalho, à proteção social, à saúde e a ações humanitárias. Que estes sejam o centro da preocupação dos governos e que as políticas não abandonem as pessoas, que sejam permanentes para que as pessoas não sejam responsabilizadas e paguem com suas próprias vidas.
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Uma das poucas medidas adotadas pelo governo federal foi o auxílio emergencial, uma renda básica por um período específico. Mas este auxílio foi inicialmente negado às pessoas afetadas pela hanseníase que foram isoladas compulsoriamente – o governo entendeu que elas não poderiam receber o auxílio emergencial porque são beneficiárias da Lei 11520, que lhes concede pensão reparatória vitalícia. Acreditamos ser um equívoco do governo, já que uma coisa é uma política de assistência emergencial e outra é uma política de reparação histórica. E nosso argumento venceu no tribunal.
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Não tem um dia em nosso país em que possamos respirar aliviados, o povo clama por justiça social, vacinas, trabalho e o direito de mesmo imunizados pela vacina possamos ainda usar máscaras sem que o presidente não nos obrigue a tirá-las.
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Esse contexto de reivindicação por direitos básicos como acesso à renda faz lembrar do momento de fundação do Morhan, há 40 anos. Nosso movimento nasceu em em uma conjuntura de redemocratização do país e junto com o nascimento de vários sindicatos de trabalhadores. Fomos também um dos movimentos precursores e fundadores do movimento nacional de Pessoas com Deficiência no Brasil, dois anos depois da nossa fundação.
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A discussão do campo do trabalho está prevista no estatuto do Morhan, na nossa luta por leis de cotas para pessoas com deficiência em médias e grandes empresas, ou ainda na defesa jurídica das pessoas que perderam emprego por conta do estigma e preconceito.
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Por outro lado, a promoção de políticas assistenciais para pessoas atingidas pela hanseníase sem emprego, ou de reinserção e readaptação para o trabalho e reparadoras como no caso das pessoas que foram segregadas, é um eixo de cobrança do Morhan dos governos municipais, estaduais e Nacional.
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Ou seja, o tema do direito ao trabalho associado ao direito à seguridade social está presente em nossa história desde o princípio e segue fundamental hoje.
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Peço licença antes de finalizar meu discurso para dizer mais algumas palavras em memória de José Gabriel, aqui da minha cidade Juazeiro do Norte, estado do Ceará.
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A família de José Gabriel foi uma das beneficiadas pelo projeto que desenvolvemos junto à Sasakawa Health Foundation de ação emergencial, recebendo acompanhamento e cestas básicas de alimentos. Mas a vulnerabilidade não começou com a pandemia. José Gabriel desenvolveu lesões e sequelas que seriam totalmente evitáveis se ele tivesse tido o acesso e o cuidado adequados no tempo certo. As complicações se agravaram e seu aniversário de 15 anos foi no hospital. Nesta semana, recebemos a notícia de que José Gabriel não resistiu. Ele morreu não apenas porque a hanseníase é uma doença negligenciada, e sim porque existem pessoas que são negligenciadas. Um adolescente de 15 anos perder a vida por complicações de uma doença curável é um crime.
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José Gabriel, presente.