Está em curso, no Espírito Santo, um debate sobre o destino do Hospital Pedro Fontes – HPF, antiga colônia para pessoas atingidas pela hanseníase em Itanhenga, região do município de Cariacica. Um relatório produzido por técnicos do governo estadual indicou o fechamento da unidade. O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas Pela Hanseníase (Morhan) foi convidado pelo secretário estadual de saúde, Nésio Fernandes, a fazer suas considerações e aponta: o hospital precisa ter sua missão redefinida de acordo com o preconiza a lei e em respeito aos direitos das pessoas afetadas pela hanseníase que foram segregadas. Adequações sanitárias devem ser realizadas mas não podem ser usadas como desculpa para o fechamento, o que configuraria novo crime de responsabilidade.
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Histórico
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O Hospital Pedro Fontes foi inaugurado em 1937, sendo parte política de isolamento compulsório das pessoas atingidas pela hanseníase. Na época, acreditava-se erroneamente que a doença era transmitida pelas vias aéreas e altamente contagiosa, então, os pacientes eram isolados das suas famílias e do convívio social. Essa política só mudou com a portaria a Portaria MS nº 165, de 14/05/1976, onde foram definidas novas modalidades de internação neste tipo de unidade, e só a partir dos anos 80 que o HPF foi reformulado. Atualmente são 48 pessoas assistidas pelo estado vivendo no hospital.
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Em função das necessidades históricas de preservação da memória e dos direitos humanos dessas pessoas que residem no HPF, o Morhan teceu suas discordâncias ao documento em forma de ofício encaminhado à SESA no dia 28 de outubro.
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O que diz a lei
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Dado o fato que a justiça brasileira reconheceu que o país cometeu um crime de estado ao manter o funcionamento da segregação compulsória, mesmo com os avanços científicos para o tratamento da doença, entende-se que essas pessoas devem ter atenção prioritária do estado como forma de reparação do dano cometido. Ainda nesta mesma lei, estão estabelecidos o direito à indenização das pessoas segregadas até 1986 e o fornecimento de órteses, próteses e cirurgias reabilitadoras. Assim sendo, conforme determinado na lei, há uma responsabilidade com as pessoas que foram submetidas à segregação, sendo as unidades, os cemitérios e as terras parte do direito das pessoas atingidas pela hanseníase à identidade e memória.
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Um plano para o HPF
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Segundo o coordenador nacional do movimento, Artur Custódio, é preciso que a instituição defina sua nova missão, para que essas pessoas não fiquem desassistidas. “Definindo uma nova missão para o HPF a equipe não ficará mais inócua. Nos surpreende no relatório, apesar da direção da unidade ser a mesma há mais de seis anos, a ausência de planos de cuidados dos pacientes, já que são menos do que 50 pessoas. É importante nesta unidade de cuidados prolongados e no formato de lar abrigado, que tenhamos os planos de cuidados individualizados.” afirma Custódio.
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De acordo com o ofício enviado pelo Morhan a SESA, a realocação dos internos do HPF resultaria em um novo crime de responsabilidade como o já reconhecido pela Lei 11520/2000. O Morhan aponta que a necessidade de adequações sanitárias não deve ser utilizada como justificativa para os encerramentos das atividades do hospital: estas adequações precisam sim ser realizadas e o destino do hospital deve atender o que diz a lei a respeito da responsabilidade com a comunidade de pessoas atingidas pela hanseníase que sofreram segregação.
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A relatora especial da ONU para a eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e seus familiares, Alice Cruz, faz referências às resoluções da ONU sobre a destinação desse tipo de instituição e do compromisso do Brasil com relação ao patrimônio, memória e verdade sobre os acontecidos nessas instituições. Assim, a utilização da unidade para novas atividades deve seguir as recomendações da ONU para esses locais, evitando atividades que possam trazer mais estigma ao local e aos usuários. O Morhan sugere, dentre outras opções, que o local instale serviço de atenção à saúde do idoso e um centro de treinamento de recursos humanos. Vale recordar que existem experiências bem-sucedidas de legalizações fundiárias no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Acre, que podem vir a servir de modelo nesta situação.
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Com relação à preservação histórica, recomenda-se que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) deva ser acionado para levantamento de inventário participativo. Várias unidades como esta já foram tombadas como patrimônio histórico da saúde. Recomendamos a preservação da memória seja relacionada ao uso que a entidade ainda possui. O Morhan sugere, ainda, que a SESA e o Governo do Estado incluam entidades representativas do local, como associação de moradores, Associação de Filhos do Alzira Blay e Morhan local e Nacional para compor o grupo de trabalho para elaboração de propostas de utilização. Por fim, enfatizamos que o fechamento de unidades, como recomenda o relatório do qual discordamos, provocou aumento de letalidade entre os moradores em outros locais, como no caso de Maracanaú (Ceará) e Betim (Minas Gerais).
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