O governo brasileiro retrocedeu. Deixou de lado a meta de eliminação da hanseníase – que é reduzi-la à média aceitável de um caso para cada 10 mil habitantes. Desde a publicação da portaria de nº 125, de março deste ano, o Ministério da Saúde concentra-se apenas no controle. No mundo, trocar a estratégia de eliminação pela do controle é como dar um passo para trás, considera a Organização Pan-Americana (Opas) de Saúde. As metas têm sido adotadas para combater a mortalidade infantil e doenças a exemplo da poliomielite e da rubéola. Com a sabedoria de quem carrega por 30 anos as sequelas deixadas pela hanseníase, seu José Anselmo de Andrade, condena a novidade: “Falar em controle em países ricos é uma coisa. Aqui, é outra. O combate acabará falhando e os casos aumentarão”, diz o mais bem informado residente do Hospital Colônia da Mirueira, em Paulista. Cego e com perna amputada, seu Anselmo acompanha as notícias pelo rádio portátil fixado na cabeceira da sua cama. O temor de seu Anselmo é igual ao de técnicos da Opas e dos representantes dos pacientes e familiares de vítimas da doença. O coordenador nacional do Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN)com sede no Rio de Janeiro, Artur Custódio, teme a desmobilização de profissionais e da sociedade. “Tudo que fizemos até agora pode ser perdido”, disse. Sem objetivo estabelecido, estaríamos diante do risco de haver um relaxamento na prontidão contra essa doença, marcada pelo preconceito desde os tempos bíblicos, quando os pacientes eram conhecidos como leprosos. A hanseníase acomete a pele e os nervos periféricos (como pés, mãos e olhos) e contaminou cerca de 50 mil brasileiros por ano na última década. O número de casos novos só é inferior ao da Índia, mas lá a meta das Organizações das Nações Unidas (ONU) foi atingida. No Brasil, não. A Índia tem uma população 15 vezes maior e é duas vezes mais pobre. A promessa de chegar à média estabelecida pela ONU tem sido descumprida há mais de uma década. A recente portaria sobre a hanseníase define as diretrizes de tratamento e de avaliação de eventuais pacientes e enfatiza um modelo de “intervenção” baseado no diagnóstico precoce, prevenção de incapacidades e vigilância de contatos domiciliares. Com 17 páginas, especifica como fazer a prevenção, estimula os autocuidados e defende a necessidade de motivação dos pacientes para evitar a descontinuidade dos medicamentos dos doentes. Esmiuça ainda as recomendações para cirurgias em casos graves de problemas neurológicos e ressalta que o tratamento deve ser executado por toda a rede do Sistema Único de Saúde (SUS).Há uma semana, o “Diário” busca informações com Ministério da Saúde sobre a reforma no tratamento, mas não obtém sucesso. A entrevista seria dada pela coordenadora do programa, Maria Aparecida de Faria Grossi. Após enviadas as perguntas na quinta-feira passada, a Assessoria de Imprensa informou que a coordenadora estaria ausente e não poderia respondê-las. Em Pernambuco, a portaria ainda não foi divulgada entre os médicos. A coordenadora da Hanseníase da Secretaria de Saúde, Rejane Almeida, a define como um avanço porque compila procedimentos, unifica procedimentos e tira dúvidas médicas. Segundo ela, as secretarias de saúde municipais serão comunicadas sobre as novas regras e haverá orientações para coordenadores de gerências regionais. Foto: José Ancelmo (ao fundo) teme a nova medida: “O combate vai acabar falhando e os casos vão aumentar”. (Alcione Ferreira/DP/D. A Press)