Na opinião de Souza, há falhas na maneira de informar a população sobre a doença e na identificação dos casos. “As campanhas devem ser mais bem focadas e com linguagem mais compreensível”, defende. E, quanto ao diagnóstico, também há buracos graves. Hoje, teoricamente, ele pode ser feito em postos de saúde. O problema é que a maioria dos médicos pouco sabe da doença. “Muitos saem das faculdades sem ter visto um paciente”, afirma Mary Lise Marzliak, da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo. Para piorar, a enfermidade recebe apenas de quatro a oito horas de atenção durante os seis anos do curso de medicina. E sintomas como alterações de sensibilidade na pele fazem parte da lista de sinais de outras patologias, como a diabete. Portanto, cair na armadilha de um diagnóstico errado é fácil. Não há também uma rede eficiente para detecção da cadeia de transmissão da doença. Uma prova disso é o fato de que 10{79cc7c547c82c26ee96fc2fefb6afbdee3eadc00daef34e76e11ca91d3e5e06b} dos novos casos registrados são de crianças. O índice mostra que os pequenos estão convivendo com muitos adultos não tratados, o que revela a existência de redes de contágio desconhecidas das autoridades públicas. A situação demonstra também que, ou as crianças não estão tendo acesso ao sistema de saúde ou, se chegam a ser atendidas, o atendimento não é correto.Isolamento – O governo brasileiro reconhece que a lição de casa ainda não foi feita. E credita as falhas à falta de estrutura do programa de eliminação de hanseníase observada principalmente na década de 90. De acordo com Jarbas Barbosa, secretário nacional da Secretaria de Vigilância em Saúde, o atendimento feito apenas em alguns postos e a ausência de campanhas de informação ajudaram a negligenciar a doença. “Mesmo nos municípios onde a incidência era alta, a assistência era precária”, afirma. Segundo o secretário, o programa passou por uma reformulação a partir de 2003, que incluiu a abertura de postos de atendimento e treinamento dos profissionais para que eles fiquem aptos a identificar casos da doença. Além disso, garante que as cidades consideradas prioritárias são acompanhadas mais de perto pelo Ministério. “Em alguns Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, atingimos a meta de eliminação. Mas ainda temos muito a fazer”, admite o secretário.Paralelamente às dificuldades para controlar a doença, o País convive com outro drama causado pela ignorância que durante anos determinou os rumos do tratamento contra a hanseníase. Trata-se da delicada e urgente questão de como dar uma condição digna de vida aos antigos pacientes confinados ao longo de décadas no que se chamava de hospitais-colônias ou leprosários. Essas instituições foram criadas a partir do final da década de 20, período em que reinava no Brasil a tese de que os pacientes deveriam ser isolados da sociedade. Era a triunfante vitória do preconceito. As tais colônias eram verdadeiras cidades. Contavam com cinemas, escolas, delegacias e, é claro, segundo as regras da discriminação, até cemitérios próprios. Os pacientes eram procurados tal qual criminosos e ali aprisionados. As edificações eram fortificações com muros e portões intransponíveis, com direito à presença de um guarda sanitário. Era ele que saía à procura de fugitivos. E, já que a vida deveria correr entre os muros das colônias, muitos doentes ali se casaram e tiveram filhos. Imediatamente após o nascimento, porém, os bebês eram levados para orfanatos. Filhos e pais podiam se encontrar apenas duas vezes por ano.Essa política de exclusão durou até a década de 70. A partir de então, iniciou-se a implantação do tratamento feito nos postos de saúde. Seria ótimo se grande parte dos doentes tivesse para onde ir. Mas não tinha. Separados da família, do trabalho, durante anos, muitos se viram como crianças desprotegidas em meio a estranhos. Vários foram rejeitados, outros não se adaptaram à vida de liberdade. Sem outra opção, voltaram para as antigas colônias e