A saga de um bisavô

A saga de um bisavô

Nas pesquisas para seu primeiro livro, “O Poeta, a Rosa e Mil Cartas”, lançado em março, o escritor Christiano Sensi resvalou num tema tabu para sua família: a hanseníase. O livro conta a história dos avós do escritor, o  fazendeiro Luiz e a professora Rosa. Foi baseado em mais de mil cartas trocadas entre eles entre 1930 e 1942, quando precisaram se afastar e namorar à distância.O afastamento foi provocado pela falência da família do avô, afetada pela crise do café em 1929. Luiz foi para São Paulo e Rosa ficou em Mococa, cidade onde se conheceram ainda na adolescência. O segundo livro, que está na fase das pesquisas, contará o drama por trás do afastamento do casal.Segundo Christiano, além da crise econômica, outro motivo para o afastamento foi a doença do bisavô, José Lima Figueiredo, vítima da hanseníase numa época em que a doença provocava o isolamento total dos pacientes. O bisavô passou um período internado no antigo Asilo-Colônia do Instituto Lauro de Souza Lima, em Bauru. Depois foi para a colônia de Guarulhos.“Foi um problema na família, tiveram que se esconder, havia preconceito e vergonha”, diz o escritor.PesquisaChristiano, que também é ator e dramaturgo em São Paulo, esteve em Bauru para resgatar a passagem do avô pela colônia da cidade. Recebido pelo memorialista Jaime Prado, começou a levantar dados sobre a doença que estigmatizava. Além do bisavô, uma tia-avó, do outro lado da família, também teve hanseníase, mas conseguiu se curar. O escritor imagina um encontro entre os dois, numa das colônias comuns na época em que a doença era considerada incurável. “Vou escrever um romance baseado em fatos reais”,  afirma. Nas entrevistas que já fez, descobriu que os parentes sempre evitaram falar sobre a hanseníase e que a tia-avó até hoje sofre as consequências do preconceito contra a doença. O bisavô morreu aos 62 anos, sem conseguir a cura.O atestado de óbito dele foi assinado por Lauro de Souza Lima, o médico que dá nome ao instituto localizado em Bauru e que reúne um valioso acervo sobre a saúde pública.1930 – É o ano em que começa a troca de cartas entre os avós do escritorDrama de doentes ainda é atualDos quatro filhos de Judite, moradora de Bauru,dois foram levados para um educandário em Pinheiros, São Paulo, e dois entregues para casais. Quando saiu da colônia, ela pode rever as crianças.Um dos filhos é o vendedor Jair Pinto, 51, que ficou no educandário até os seis anos. Ele não lembra dessa época, sabe apenas que um parente foi tirá-lo de lá. Morador de Juazairo do Norte, no Ceará, Francisco Faustino Pinto, 39, teve hanseníase dos 9 aos 18 anos, numa época em que a internação compulsória já não era regra para enfrentar a doença. A luta dele é até hoje contra a falta de informação e o preconceito.Faustino, um dos coordenadores do MORHAN (Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase), ficou cinco anos sem tratamento até que a doença fosse diagnosticada.  Já estava com nódulos e deformidades quando encontrou um médico capaz de identificar o que tinha.Depois, precisou lidar com a discriminação. No centro de saúde de sua cidade, era tratado pela equipe à distância.“As consultas eram feitas por telepatia, com o médico bem longe”. Chegou a ser dispensado da escola, no segundo ano do ensino médio. Por causa dos olhos vermelhos, efeito da hanseníase, foi confundido com um maconheiro e não teve direito a dar explicações.Re