“Boi com sede bebe lama”, artigo de Roberto Malvezzi

“Boi com sede bebe lama”, artigo de Roberto Malvezzi

(fonte: http://www.ecodebate.com.br/2012/12/06/boi-com-sede-bebe-lama-artigo-de-roberto-malvezzi-gogo/)

“Boi com sede bebe lama”, canta o forrozeiro nordestino Flávio José. Verso apropriado aos dias que vivemos aqui no sertão. Hoje, um pouco mais tristes, um pouco mais pobres, com o falecimento do Dr. Manoel Bonfim Dias Ribeiro, um dos expoentes na luta por um semiárido digno, particularmente a revitalização do São Francisco.
Ele foi por muitos anos um excelente técnico e diretor do DENOCS e CODEVASF. Esse ano ainda puxou um encontro sobre a região no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, reunindo especialistas das universidades, órgãos governamentais e sociedade civil.
Dr. Manoel Bonfim tinha uma virtude admirável: a autocrítica. Ele era um defensor da convivência com o semiárido e sempre afirmava, em outras palavras, que o “maior erro do DENOCS foi ter criado ilhas de água por todo o semiárido, mas não ter feito a sua distribuição horizontal pelas adutoras”. Era bonito e emocionante vê-lo fazer longas ou curtas falas não só com dados e números, mas com o coração, sabendo que por detrás deles estavam seres humanos com seus rostos, carnes e ossos.
Nesse momento de estiagem se fala muita bobagem sobre o semiárido, e são propostas novas loucuras, como a Transposição Baiana do São Francisco, a custo inicial já orçado em cinco bilhões de reais. Que incapacidade de aprender com os erros! O próprio governo baiano, para socorrer 200 mil pessoas na região de Guanambi, fez apressadamente a adutora do Algodão, puxando água do São Francisco, resolvendo o problema da escassez urbana daquela região. Portanto, sabem o que fazem. Quando querem, fazem bem. Quando fazem por interesses escusos da indústria da seca, fazem mal.
O boi com sede bebe lama porque o sertão do semiárido nunca foi lugar para criação de gado, exceto às margens do São Francisco, hoje totalmente bloqueadas pelas cercas da propriedade privada. Foram os europeus que trouxeram o animal para essa região, mas são eles que mais sofrem e morrem em longas estiagens. Isso já é aprendizagem histórica.
Estamos longe da convivência adequada ao semiárido. Estupidez não falta. Mas, Dr. Manoel Bonfim é um exemplo que os caminhos corretos são possíveis, desde que haja honestidade intelectual e boa vontade.

Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.