Continuação da matéria de Betim

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71 ANOS DE COLÔNIA ]

 

FOTO: FOTO: MOISES SILVA / O TEMPO

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Maior sofrimento de Mércia foi ter que se separar do pai  

“Meu nome é Mércia Ferreira da Fonseca, uma perna grossa e a outra seca”, falou a dona Mércia, 77, relembrando a frase que ouvia por ter a perna inchada. Risonha, ela não larga o radinho de pilha e a cachorra Nina, que a faz companhia após a morte do marido e não sai do seu lado “Dicalino Cabral veio para a colônia e buscava uma tal de Nerciana, não achou e casou com a Mércia. Morreu um mês antes da gente fazer 25 anos de casados. Ele era bom demais, morro de saudade”. Ela destaca que ele arrumou o piso da casa dizendo que era para a festa de aniversário deles, mas era porque sabia que ia morrer.

“Antes chamava lepra né? Um nome muito feio”

Quando a rádio começa a falar sobre o signo de capricórnio, ela para de conversar e ouve atenta. Filha de cigana, também hanseniana, dona Mércia foi internada aos 6 anos. “Já faz 71 anos que to aqui? Isso tudo?”. A separação do pai é a única coisa que tira o sorriso dela. “Foi um trem ‘atrapaiado’ minha filha. Eu era a caçula, pulava o balcão que separava os doentes dos sadios no dispensário (uma espécie de recepção) e ‘garrava’ nele, mas o guarda me tirava”. Ela chegou a fugir aos 12 anos com o pai. Mércia viveu a infância no pavilhão de crianças, onde só aprendeu a comer de colher. “Não sei usar garfo e faca até hoje, acredita?”.

O QUE É OFERECIDO HOJE 

A Casa de Saúde Santa Isabel tem um custo anual de R$ 23,7 milhões (2014) pagos pela Fhemig

A infraestrutura:

Unidade Asilar Gustavo Capanema : 63 leitos
Lares Abrigados : Masculino: 10 leitos e Feminino: 16 leitos
Centro de Tratamento de Lesões João Pipoca onde são realizados centenas de curativos mensais nas lesões de pele.
Atendimento domiciliar: 155 pacientes do período compulsório. Eles recebem a visita diária ou semanal dependendo de cada caso individual, de médicos e técnicos de enfermagem.

Fonte: Fhemig

POR PURA FALTA DE CONHECIMENTO DOENTES FICAM COM SEQUELAS 

Do total de casos novos de hanseníase notificados no ano passado em Minas, 11,7{2aac11db062106a511f82b3f846e67020ff249ff34fd66d1d03a377eef8e549c} possuíam alguma deformidade, indicando um percentual ainda elevado de diagnóstico tardio. Conforme a Secretaria Estadual de Saúde (SES), o Estado vem registrando cerca de 1.400 casos novos de hanseníase a cada ano nos últimos cinco anos. Em 2015, até o momento, foram 336.

Em 2014, foram 1.187 novos casos, significando 5,72 diagnósticos em cada 100 mil habitantes, dos quais 4,5{2aac11db062106a511f82b3f846e67020ff249ff34fd66d1d03a377eef8e549c} (53) foram em menores de 15 anos. “O acometimento de crianças pressupõe a presença de adultos doentes sem diagnóstico e sem tratamento, convivendo e transmitindo a hanseníase para crianças e adolescentes”, informou a SES.

Os casos de hanseníase estão distribuídos de forma heterogênea por todo o Estado mas, conforme a secretaria, a situação merece maior atenção na divisa do estado com o sul da Bahia e Espírito Santo, na divisa com Goiás e Distrito Federal e na divisa de Goiás com o Triangulo Mineiro.

As regiões com maior número de casos em 2014 foram: Governador Valadares: 168 casos; Belo Horizonte: 131 casos; Uberlândia: 118 casos; Teófilo Otoni: 63 casos; Montes Claros: 58 casos; Unaí: 53 casos; Pedra Azul: 52 casos; Uberaba: 43 casos; Januária: 38 casos; e Diamantina: 38 casos.

O Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde estabelece programas de controle de hanseníase no diagnóstico precoce, tratamento adequado e vigilância de contatos. A maior preocupação são os menores de 15 anos, que tem sido motivo de Campanha Nacional de 2013 a 2015 nas escolas.

A hanseníase tem cura e se tratada precocemente e de forma adequada, pode evitar as incapacidades e as sequelas. O tratamento é gratuito disponível nas unidades de saúde pública. Qualquer mancha na pele ou área de pele aparentemente normal, mas com alteração de sensibilidade, pode ser hanseníase. A divulgação dos sinais e sintomas e do seu tratamento e cura é uma importante arma no combate à doença.

Imediatamente após iniciar o tratamento, que dura entre seis e 12 meses, o paciente já não transmite para as pessoas, mesmo sendo da forma contagiosa. Os contatos intradomiciliares dos pacientes de hanseníase têm maior risco de desenvolver a doença, e devem ser examinados e orientados.

Com informações da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG)

 

Santa Isabel se perde no tempo

A hanseníase nunca matou ninguém, o que matou foi o abandono, a falta de tratamento, a tristeza. Hoje, são os imóveis antigos, como a igreja Matriz, que estão abandonados e precisam de investimentos para garantir a sobrevivência da colônia. Corre o risco de toda a história se perder após a morte dos últimos moradores. Por enquanto, fica a dívida social do Estado depois de um longo período de injustiças, em que famílias foram desfeitas e filhos foram doados irregularmente (as mãe achavam que eles tinham morrido).

O papel da colônia hoje é reabilitar os pacientes que ficaram com sequelas, já que agora eles só sofrem de “velhice”, não têm mais a doença. O Memorial José Avelino, na cidade, guarda peças utilizadas na época pelos internos, como seringas, calçados, projetores de cinema, fichas compulsórias – uma recordação para ninguém esquecer o que aconteceu. Mas uma placa na entrada do Cine Teatro indica que a última reforma no local ocorreu em 2005.

A Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) informou que aguarda a organização da comunidade e a disponibilização orçamentária do Estado para revitalizar os espaços. “A sapataria ortopédica está parada por falta de vontade política”, afirmou Maria Francisca de Ávila, 65, moradora antiga da colônia. O posto de saúde e o pronto-socorro de Santa Isabel estão sem médico e passando por necessidades, segundo Aparecida Ribeiro, representante da entidade Missão Solidária de Santa Isabel. “As unidades atendem também a moradores de comunidades vizinhas e estão sobrecarregadas. No posto tem apenas um clínico cubano”, apontou.

Conforme a fundação, “no momento está em discussão a parceria entre a Fhemig e Secretaria Municipal de Saúde de Betim para a resolução de pactuação dos serviços e o termo de cessão de pessoas”, disse em nota. A questão de recursos humanos também está sendo discutida, mas a Fhemig alega que o serviço está funcionando normalmente. Já a Prefeitura de Betim informou que possui duas equipes do programa Saúde da Família na comunidade – uma delas está sem um médico. “O processo seletivo para a contratação de um novo médico já foi realizado. Ele deve começar a trabalhar ainda no mês de junho”. A construção de uma nova Unidade Básica de Saúde para a região foi prevista em um convênio com o Estado, mas aguarda repasses para iniciar a construção.

Anote aí

Na colônia funciona uma unidade do Movimento de Reabilitação das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). Artistas como Ney Matogrosso, Elke Maravilha e Geraldo Azevedo apoiam a causa. Veja mais em:http://www.morham.org.br