FAUSTINO, UM VENCEDOR!

FAUSTINO, UM VENCEDOR!

Quem mora no Cariri

Conhece essa pessoa

Dona dum coração grande

E d’uma alma muito boa

O seu nome é Faustino

E ele tem por destino

Não passar na vida à toa

 

É uma grande liderança

Que mora em Juazeiro

E desde muito criança

Mostrou-se muito guerreiro

Pois travou uma batalha

Contra uma grande muralha

Da qual já foi prisioneiro

 

A muralha em questão

Atendia por dois nomes

Mas lá no meio do sertão

Tinha muitos codinomes

Um nome era ignorância

Que assombrou sua infância

Pior do que lobisomem

 

Preconceito era o outro nome

Da tal muralha maldita

Pois sendo pior que a fome

Causava dor infinita

Pois separava humanos

Sob argumentos insanos

Causando muita desdita

 

Mas foi a ignorância

Quem primeiro apareceu

La pela segunda infância

O menino a conheceu

Quando então ficou doente

E nenhum inteligente

Sua doença entendeu

 

Os sintomas eram muitos

E aos pais preocupava

Eles iam sempre juntos

Para ver no que é que dava

Cada vez era um médico

De saber enciclopédico

Mas de nada adiantava

 

Pra pele cheia de manchas

Só pomadas receitavam

Mas a cura não deslancha

E as feridas aumentavam

Nenhum dermatologista

Sabia dar qualquer pista

Do que então se passava

 

Quando fez quatorze anos

Veio a lesão no nariz

E com ela o desengano

Que o deixava infeliz

Pois eram tantas agruras

E como não via a cura

Vivia então por um triz

 

Frequentou um otorrino

Que soro lhe receitou

Seguiu todo o figuro

Mas de nada adiantou

Tratou-se por quatro anos

Sempre ali peregrinando

Por um ou outro doutor

 

Descrente da medicina

Recorreu à natureza

Pois essa também ensina

E com bastante proeza

Por meio de suas plantas

Que muita dor acalanta

Trazendo paz e leveza

 

De chá tomou mais de cem

De folha, caule e raiz

Muitos lhe fizeram bem

Outros, mal pra cicatriz

Partiu pras religiões

Em cujas celebrações

Deus é um justo juiz

 

Catolicismo e umbanda

E espiritismo também

Enveredou pelas bandas

De tudo o que era do bem

Pois queria ser curado

E já andava esgotado

Do eterno vai e vem

 

Suplicava ao Padim Ciço

E também a Mãe das Dores

Jovem ainda no viço

Acompanhava os andores

Pois quando se quer saúde

Vale qualquer atitude

E não se pensa em pudores

 

Assim a vida seguia

Com pioras e melhoras

Faustino amadurecia

Sempre contando as horas

Para um dia ser liberto

Deste destino incerto

Que a alegria ignora

 

Pouco a pouco foi perdendo

Força nos pés e nas mãos

Os pais se compadecendo

Vivam sempre em ação

Sua mãe acabrunhada

Tristonha, muda, calada

Mas firme na oração

 

Embora não sendo fácil

Viver daquela maneira

Sua família tão dócil

Também era altaneira

Dava a ele muito amor

E o apoio protetor

Contra a língua faladeira

 

Chegou a maioridade

Todo cheio de feridas

E justo nesta idade

Em que a vida é colorida

Faustino foi piorando

E o corpo desfigurando

Neste momento da vida

 

Caroço por todo lado

Inchaço e muita fraqueza

Cada vez mais arrasado

Seguiu para Fortaleza

E tome diagnose

De câncer a osteoporose

Eram essas as “certezas”

 

Sífilis e reumatismo

Entraram para o menu

Era muito traumatismo

Para um jovem corpo nu

Foi então que, por acaso,

Um médico vendo seu caso

Teve um leve “dejavú”

 

Assim, acidentalmente,

Por conta da propaganda

Que coincidentemente

Justo naquela semana

Passava pela tevê

Sobre manchas, sem doer

Que a muita gente engana

 

O doutor disse a Faustino:

“O seu problema tem cura

Mas eu sendo um otorrino

Não disponho de estrutura

E você tem que tratar

Com quem possa lhe ajudar

Da maneira mais segura”

 

Foi então encaminhado

Ao Centro de Referência

E aí, bem desolado,

Foi onde tomou ciência

Do nome da enfermidade

Que desde tenra idade

Roubou-lhe a plena vivência

 

Hanseníase era o nome!

Mas nunca o tinha escutado

Só que o velho codinome

Usado em tempos passados

Martelava em seus ouvidos

Como quem ouve os gemidos

Dos seres discriminados

 

O pior choque, no entanto,

Nem foi com a descoberta

Foi algo que trouxe espanto

E que o deixou em alerta

Pois quem o examinou

Dele nem se aproximou

E o fez de porta aberta

 

O médico o mandou sentar

Num cantinho da parede

Nem mesmo quis lhe tocar

E fê-lo sentir mais sede

Pois a garganta secou

De tanto que ele gelou

Diante do “equinípede”

 

Esse primeiro contato

O deixou boquiaberto

Sem ação, estupefato

Temendo até chegar perto

De qualquer profissional

Pois o primeiro sinal

Foi: aqui é o deserto

 

Ao sair daquele espaço

Sentiu-se muito confuso

Quis fazer estardalhaço

Pois viu que era um abuso

Mas tava fragilizado

Abatido, maltratado

E entrou em parafuso

 

Em silêncio foi andando

Pelas ruas, sem destino

Um filme ia passando

Pela mente de Faustino

Não sabia o que dizer

Nem mesmo o que fazer

Sob o sol vespertino

 

Condenou a ignorância

Da família e da ciência

Quando veio à lembrança

Toda a sua experiência

Da via-crúcis maldita

De tanta dor e desdita

Em plena adolescência

 

Pensou na comunidade

Pobre e mal informada

Dela teve piedade

Mas ainda quis dar risada

Só que o choro foi mais forte

E Juazeiro do Norte

Anoiteceu desamada

 

No outro dia contou

Para seus familiares

O que o médico falou

E esperou os olhares

Mas só recebeu amor

E seu pai o aconselhou

A não dizer a seus pares

 

O temor do genitor

Era com o preconceito

Mas de nada adiantou

Souberam do mesmo jeito

Pois a notícia correu

E Faustino conheceu

O seu amargo efeito

 

Foi chamado de leproso

Por gente que o conhecia

Foi tido como asqueroso

Por primo, amigo e tia

Conviveu com a dupla dor

Da doença e do horror

Que o preconceito trazia

 

Viu que a enfermidade

A todos acometida

Mas que a bem da verdade

A dor só ele sentia

Porque os “outros doentes”

Tinham um vírus latente

Mas ninguém admitia

 

Este vírus tenebroso

Pior do que bactéria

É um bicho horroroso

Que as vezes sai de férias

Mas basta surgir o medo

O ignoto e o segredo

Que ele surge como fera

 

Como dito no começo

Ele é cheio de apelidos

Não escolhe endereço

E nem respeita ouvidos

É preconceito, o coitado

Que além de feio e malvado

Causa bastante alarido

 

Pois como se não bastasse

Ter que enfrentar a doença

Sem querer perder a classe

Em meio a dor intensa

O então jovem Faustino

Esse bravo nordestino

Tinha que ouvir ofensa

 

Mas sempre chega o dia

Em que a sorte nos sorri

E foi com grande alegria

Que Faustino a viu surgir

No Centro de Referência

Onde em meio a doença

Viu um amigo emergir

 

E foi justo numa data

Em que seu médico faltou

Que teve a surpresa grata

Quando outro doutor chegou

E ali, com muito esmero,

Mui respeitoso e sincero

Seu corpo examinou

 

Imenso foi o impacto

Ao ver o douto tocar

Sua mão naquele ato

Sem repulsa externar

Explicando passo a passo

Sem pressa ou embaraço

O que ele iria tomar

 

Ficou tão extasiado

Que mal conseguiu falar

Levantou encabulado

E foi pra casa a pensar:

Será que é recém formado

Ou é melhor preparado

Pra poder nos ajudar?

 

O tratamento seguia

Com seu antigo doutor

Certa vez teve alergia

E foi quando piorou

Sendo hospitalizado

E diagnosticado

Com outro quadro de horror

 

O doutor que o atendeu

Afirmou: “tá tudo errado”

Outra droga prescreveu

E o deixou internado

Hanseníase descartou

Pois o que detectou

Foi outro bicho danado

 

Agora era a hepatite

Que devia combater

E o jovem foi ao limite

Pensando que ia morrer

Sustaram seu tratamento

E foi naquele momento

Que viu tudo escurecer

 

Como foi se agravando

Seu estado de saúde

Viram o risco chegando

E tomaram uma atitude

Voltaram a investigar

Pois já não podiam errar

Com tamanha amplitude

 

A poliquimioterapia

Teve que ser retomada

E depois de alguns dias

A pessoa foi curada

O ser humano Faustino

Que ainda hoje é franzino

Teve a vida renovada

 

Mesmo assim ele seguia

Tomando a medicação

Pois não recebeu a guia

Contendo a informação

E aos vinte e cinco anos

Entre sonho e desengano

Foi que teve alta então

 

Mesmo assim ainda fez

Outras duas cirurgias

Cada qual a sua vez

Pois uma não bastaria

Pra corrigir o nariz

Pois só com uma bissetriz

Melhorar funcionaria

 

Todo esse tratamento

Foi o SUS quem garantiu

Mas em meio ao sofrimento

Muita gente sucumbiu

Pois nem todo mundo alcança

Ter a mesma esperança

Que Faustino construiu

 

Retomando a nova vida

Voltou logo a estudar

Pois uma etapa vencida

Outra tinha que galgar

E o seu objetivo

Agora era coletivo:

Pela saúde lutar

 

Anos depois foi chamado

Para uma reunião

Onde foi apresentado

A um jovem cidadão

E notou que o conhecia

Pois foi ele quem um dia

Sem medo tocou-lhe a mão

 

Dr. Santana era o nome

Do médico sanitarista

E Raimundo era o prenome

Do jovem socialista

Que lançou um desafio

Causando até arrepio

No nosso protagonista

 

A proposta era fundar

Em Juazeiro o MORHAN

Para influenciar

A atuação cidadã

De gente discriminada

Excluída e maltratada

Que tem da cura o afã

 

E mesmo sem muito tato

E temendo começar

Já que era o anonimato

O seu antigo lugar

Faustino se organizou

E finalmente fundou

O MORHAN lá do Juá

 

Em um, nove, nove, meia

O sonho aconteceu

Faustino e suas pareias

Na luta se envolveu

Pelo fim dessa doença

E contra a maledicência

De quem não a entendeu

 

Por prevenção e direitos

E mais solidariedade

Combatendo preconceitos

E promovendo igualdade

Por políticas de estado

Ele tem mobilizado

O povo dessa cidade

 

Por diagnóstico precoce

E tratamento seguro

Pra que todos tomem posse

Do seu projeto futuro

E por acompanhamento

Livre de constrangimento

Com muito zelo e apuro

 

Por inclusão verdadeira

E por apoio estatal

Com reintegração certeira

E recurso oficial

Para que os atingidos

Jamais sejam ofendidos

Na vivência social

 

Por campanhas permanentes

Com muita publicidade

Mostrando que muita gente

Supera as dificuldades

Pois é possível viver

Lutar, sonhar e vencer

Onde há solidariedade

 

Afinal a hanseníase

É uma doença curável

Seu tratamento é simples

E pode ser controlável

E ninguém deve sofrer

Ou mesmo deve morrer

Caso esteja vulnerável

 

Ninguém precisa passar

O que Faustino passou

E o Estado pode evitar

Tudo que o aqui se narrou

Investindo fortemente

De maneira inteligente

Onde mais houver clamor

 

Hoje Faustino é um líder

No estado do Ceará

Mas muitos outros Faustinos

Pelo Brasil ainda há

Sofrendo o preconceito

Sem conhecer seus direitos

Ou sem saber se tratar

 

Passando por sofrimento

Sem ser diagnosticado

Tomando medicamento

Até contraindicado

Sendo privado de tudo

E ouvindo um carrancudo

Mandar ficar afastado

 

Por isso é que o MORHAN

Do qual Faustino faz parte

Faz formação cidadã

Se utilizando da arte

Para educar o povo

A não levantar de novo

Muralhas ou baluarte

 

O tempo agora é outro

Mas ainda há preconceito

O ignorante anda solto

E acha que é seu direito

Discriminar atingidos

Vulnerados e sofridos

Sem se importar com os efeitos

 

Por isso que é importante

Além de cobrar do Estado

Destacar a todo instante

O que há de mais sagrado

Que é a vitória humana

Contra tudo o que engana

Ou faz o ser humilhado

 

Faustino é um ativista

Que fez da dor um motivo

Para não entrar na lista

Como mais um morto-vivo

Com a cura conquistada

Seguiu a sua jornada

Espalhando incentivo

 

Com sua história de luta

Cheia de garra e de fé

Faustino segue a labuta

Firme, forte e de pé

Servindo de inspiração

Para quem está no chão

Mas vai vencer a maré

 

Dentro e fora do Brasil

Sua história é contada

Para mim o desafiou

Foi trazer ela rimada

Falando não só de dor

Mas também de muito amor

Por quem cruzou minha estrada

 

Faustino foi meu colega

De classe e de batalhas

Tamos juntos nas refregas

Contra todas as muralhas

E onde houver preconceito

Lutamos pelo direito

De que essa vida valha

 

Faustino é um vencedor

Que superou a si mesmo

É um ser encantador

Que não leva a vida a esmo

Sei que ele pode ajudar

A muita gente avançar

Em qualquer lugar ou sesmo

 

Faustino eu te ofereço

Este singelo cordel

Porque também reconheço

O teu valor e papel

Nas terras do Cariri

Por isso em favor de ti

Mil vezes tiro o chapéu!

 

Salete Maria no Blog Cordelirando

 18/04/2015