O drama da hanseníase – Parte I

O drama da hanseníase – Parte I

Parece um segredo de Estado, mas não é. A tragédia mais silenciosa do Brasil chama-se hanseníase – ou lepra ou mal de Hansen, do nome do cientista norueguês Gerhard Hansen, responsável pela identificação do bacilo causador da doença (Mycobacterium leprae), em 1873. Os números são escandalosos, suficientes para envergonhar e revoltar. No ano passado, foram registrados 38 mil novos casos, segundo o Ministério da Saúde. Os dados causam ainda maior indignação diante do desprezo das autoridades: o Brasil, cheio de recordes do bem (futebol) e do mal (juros, corrupção, pobreza), é o segundo país do mundo em número absoluto de pacientes, somando até agora cerca de 80 mil vítimas da enfermidade. Perde apenas para a Índia. Porém, nesse quesito, é preciso considerar que a Índia tem uma população cinco vezes maior do que a nossa. Além disso, os indianos conseguiram um feito memorável que nós, brasileiros, ainda não tivemos a capacidade de executar. Em termos proporcionais, eles derrubaram os índices da doença aos níveis considerados aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Isso significa que, lá, a média é de menos de um caso para cada dez mil habitantes. Por aqui, ainda amargamos a taxa de 1,47 paciente para cada dez mil pessoas. O Brasil é também o responsável (ou melhor, irresponsável) por 90{79cc7c547c82c26ee96fc2fefb6afbdee3eadc00daef34e76e11ca91d3e5e06b} dos casos desse mal infeccioso nas Américas.O alto índice dos casos no País indica uma negligência constante da vigilância sanitária. Até o acordo feito com a OMS em 1991, prevendo a eliminação da doença, o País não teve competência para assumir. Dos 122 países, apenas 14 – entre eles o Brasil – não cumpriram a meta e pediram uma prorrogação para 2005. Neste campo da vergonha, jogamos ao lado de Angola, Congo, República Centro-Africana, Índia, Madagascar, Moçambique, Nepal e Tanzânia. Mais uma vez, nada foi cumprido e adiou-se novamente o prazo, agora para 2006. E chegamos a 2006, ano de eleições em que tudo é possível, até o anúncio de promessas passageiras e ilusórias que servem de escada para candidatos tentarem chegar ao pódio.A doença, com cerca de quatro mil anos de registro no mundo, pode acarretar invalidez severa e permanente se não for combatida a tempo. O bacilo ataca a pele e os nervos, principalmente os dos braços e das pernas. Por isso, a hanseníase aparece na forma de manchas pálidas ou avermelhadas, dores, cãibras, formigamento e dormência nos braços, mãos e pés. Outros sinais são caroços, localizados principalmente nos cotovelos, mãos, face, orelhas e pés. A transmissão da bactéria se dá pelas vias aéreas ou pelo contato direto com as lesões na pele. No entanto, apenas uma das formas da doença é transmissível, e, mesmo assim, depois de intenso e prolongado contato com o infectado. O tempo de incubação da bactéria é longo: os primeiros sintomas surgem de dois a cinco anos após o contágio. O tratamento, se seguido corretamente, cura a doença. Não foi à toa, inclusive, que, entre 1985 e 2000, o número de casos tenha caído 90{79cc7c547c82c26ee96fc2fefb6afbdee3eadc00daef34e76e11ca91d3e5e06b} em todo o mundo. Em países desenvolvidos, como a França, a doença é praticamente inexistente. Por lá, há apenas 250 casos declarados. A terapia consiste no uso de antibióticos no período de seis meses a dois anos, dependendo do caso. Os remédios, doados pela OMS, são gratuitos – o que torna ainda mais doloroso o vexame diante dos constrangedores números brasileiros sobre a doença.Prioridade – Diante de tudo isso, é de se perguntar por que um país como o Brasil, orgulhoso de seu programa-modelo de controle da Aids, não consegue combater algo tão mais simples do que o HIV, um vírus que pode pregar peças na ciência com sua fantástica capacidade de mutação e ainda sem um remédio que o derrote definitivamente. Bem ao contrário da hanseníase. Nesse caso, se o paciente tomar apenas uma dose do tratamento, a bactéria deixa de ser transmissível. As respostas, como de hábito em muitos dos assuntos de sa