“Todas as civilizações se constroem e se sustentam em leis. Em toda sociedade existe um grande número de coisas que não se pode fazer: há coisas que não devem ser ditas, atitudes que não são permitidas. Toda sociedade cria limites e proibições. Escolhe algumas formas de viver e rejeita outras. Mas como cada cultura se relaciona com a parcela da população que não se enquadra? Nossa sociedade tem uma forma muito particular de se relacionar com aquilo que rejeita: ela interna. É o que diz um dos pensadores mais influentes do século 20, o historiador e filósofo Michel Foucault. Exclusão: este é o assunto de hoje, na volta de “Ser ou não ser”! A vida do ex-portador de hanseníase, Nivaldo Mercúrio, mudou depois que descobriu uma mancha no corpo. “Uma mancha seca, avermelhada. Uma mancha que a gente pode cortar, furar, não sente dor, nem nada”, conta Nivaldo. Era hanseníase, a doença que durante muitos séculos foi conhecida como lepra. Nivaldo tinha 21 anos. Naquela época, meados da década de 40, não havia cura para hanseníase. Para eliminar o incômodo social que a doença causava, a saúde pública optou pelo isolamento, pela internação. Entre as mais antigas experiências de internação, temos a construção de leprosários. A partir do século 4 da Era Cristã e até o fim das Cruzadas, os leprosários se multiplicaram por toda a Europa. O leproso representava uma ameaça pública. A comunidade, com a justificativa de proteger as pessoas saudáveis, expulsava o doente. “No começo foi muito doído, muito doído. A discriminação, o preconceito”, lembra Nivaldo. Nivaldo mora há 62 anos no Instituto Lauro de Souza Lima, antigamente conhecido como asilo-colônia Aymorés, ou leprosário de Bauru, no interior de São Paulo. “As s pessoas vinham para cá para ficarem presas, incomunicável com a sociedade, que eles consideravam a sociedade sadia”, lembra Elias Freitas, ex-portador de hanseníase. Os leprosários foram construídos como espaços fora da cidade, para excluir, para eliminar o que a sociedade não sabia, ou não podia tratar. “A hanseníase é uma doença que ainda apresenta uma certa carga de estigma extremamente forte, ligada à questão da religiosidade, de pecado”, diz Marcos Virmond, diretor do Instituto Lauro de Souza Lima. A lepra não estava somente associada a uma doença que precisava ser erradicada, mas ao poder sagrado de Deus. “Ela é uma das poucas doenças que é citada na bíblia”, conta Marcos. Havia, na época uma tendência a acreditar que o sofrimento humano era um castigo divino. O doente de lepra era alguém que trazia a marca da ira de Deus na pele. Na França da Idade Média, às vezes o queimava-se vivo o doente, dentro de casa, com todos os objetos pessoais. A idéia de usar o fogo para combater o mal ainda existia no Brasil do século 20. O doente não morria queimado, mas perdia tudo o que tinha em nome da saúde e da higiene. Foi assim que aconteceu com a família de Nivaldo. Sua mãe também era portadora de hanseníase e precisava ser internada. “Pediram para nós todos sairmos de dentro de casa, jogaram gasolina e puseram fogo. Com tudo que tinha dentro”, lembra Nivaldo. O asilo-colônia de Bauru chegou a ter mais de 2 mil internos, que se casavam e formavam famílias. Mas os filhos e