No mesmo Brasil, doenças da pobreza e da riqueza

No mesmo Brasil, doenças da pobreza e da riqueza

Moléstias antigas, como tuberculose, malária e hanseníase, convivem com malesda saúde moderna: problemas cardiovasculares, cânceres, Aids e mortes violentas.São 8h30m de terça-feira, e 30 pacientes esperam atendimento no ambulatório de hanseníase do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, o maior da América Latina. Entre eles, um homem de 78 anos, dedos das mãos retorcidos. Quase não fala, pouco vê. É um caso agudo de hanseníase, moléstia milenar que marca com o estigma da deformidade. Do outro lado da rua, no Instituto do Coração, no mesmo complexo hospitalar, uma paciente com doença cardiovascular, a que mais mata no mundo, se submete à tomografia multislice, exame de última geração capaz de substituir o velho cateterismo – no qual se introduz um cateter no vaso até chegar ao coração.Pelos corredores do HC passa um pedaço do Brasil – país onde ainda se morre de hanseníase e malária, chamadas doenças da pobreza, mas que também convive com males típicos de países desenvolvidos, urbanizados e industrializados, como as doenças cardiovasculares, primeira causa de morte da população brasileira. A epidemia de violência, com mortes por causas externas (acidentes de trânsito e homicídios), é a segunda causa de óbito. Esse quadro é o que os especialistas chamam de polarização ou superposição epidemiológica: antigas moléstias transmissíveis convivendo com novas, como Aids, e com doenças não transmissíveis, como cânceres e cardiopatias.- O que seria transição epidemiológica, com a substituição de antigas doenças por novas, não aconteceu. Há uma superposição epidemiológica. No Brasil, o quadro é agudo. É um perfil epidemiológico complexo, porque não dá para esperar erradicar velhas doenças para cuidar das novas. É difícil encontrar um balanço adequado – diz o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa.Das doenças antigas que persistem, há quatro grandes: hanseníase, tuberculose, malária e desnutrição – essa em alguns núcleos. O Brasil é um dos países onde a situação da hanseníase é considerada grave pela Organização Mundial da Saúde.O homem de 78 anos que aguarda na fila do Hospital das Clínicas é seu Antônio (nome fictício), que sofre com dormências e bolhas pelo corpo. Faz tratamento há dois anos. Muitos pacientes chegam até a chefe do ambulatório, Leontina Margarido, com a doença em estágio avançado. O mal de Hansen é causado por bacilo e pode ser prevenido com a vacina BCG.- A fala do governo de que a situação melhorou não é real. Temos 4,6 doentes para cada dez mil habitantes (em 2004). Os programas de saúde deixam a desejar na área de doenças endêmicas – queixa-se Leontina.O contágio foi a arma do ex-marido de Maria (nome fictício) para tentar lhe tirar dois filhos. Aos 36 anos, depois de ser tratada por oito anos como se tivesse lúpus, tem a pele envelhecida. No HC, escuta a promessa de que vai ganhar tratamento:- O marido foi embora, muita gente virou as costas. Tinha muita vergonha.Um metalúrgico de rosto deformado pede para não ser identificado, porque nem em seu trabalho sabem a verdade.- Tenho vontade de brigar porque olham pra mim. Escondo a cara – conta ele, que acabava de saber que a filha de 15 anos está com a doença.O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, diz que o Brasil já foi o segundo país no ranking de hanseníase. Hoje é o sexto. A taxa de prevalência, segundo o ministério, caiu para 1,4 por dez mil habitantes, mas a meta estabelecida pela OMS é abaixo de um.Outro problema que persiste é a mortalidade infantil, apesar da queda verificada a partir dos anos 80. A