Não há dinheiro nem conforto que apague da memória de uma parcela da população brasileira o sofrimento que o preconceito e a segregação, enraizada em uma política oficial de saúde, causaram até meados da década de 1980. ?As feridas estão abertas. É impossível esquecê-las?, desabafa Maria Luíza da Silva, de 50 anos. Até 1986, assim como ela, outros filhos de pais com hanseníase foram arrancados das famílias, como forma de ?prevenir? o contágio. Eles cresceram, muitos sem conhecer suas origens, viveram em orfanatos e, hoje, além de lutar para superar as cicatrizes, querem que o governo federal apresse o processo de indenização pelo sofrimento. Desde 2007, a União paga a cerca de 8 mil brasileiros dois salários mínimos mensais, como forma de reparação, mas há ainda 4 mil pessoas, muitas delas mineiras, que aguardam essa compensação. ?É uma dívida que o Brasil tem conosco?, cobra Maria Luíza.Nessa terça-feira, pela primeira vez em Minas Gerais, o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) reuniu 200 famílias mineiras que passaram por essa história, considerada ferida aberta da política sanitária brasileira. Em meio a choro e lembranças, muitos irmãos se encontraram pela primeira vez desde que foram separados. Tios e tias também puderam conhecer seus sobrinhos. Em audiência pública na Assembleia Legislativa, com a Comissão de Direitos Humanos, filhos e ex-portadores de hanseníase de cinco antigas colônias do estado ? onde eram internados e isolados aqueles que tinham a doença ? debateram com deputados a necessidade de apressar a indenização pela qual muitos ainda esperam. Em depoimentos emocionantes, em que relataram o sofrimento de viver em orfanatos depois de ser arrancados das famílias, eles sensibilizaram parlamentares e conseguiram o compromisso da comissão, cujos integrantes devem trabalhar para que os 53 deputados federais e três senadores mineiros apoiem o movimento e se manifestem no Congresso Nacional, como forma de dar visibilidade ao assunto. Os deputados também vão elaborar abaixo-assinado para enviar à presidente da República, Dilma Rousseff, e à ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes. O mesmo movimento já ocorreu em Pernambuco, Acre, Amazonas, São Paulo e Paraíba. Mas, em Minas, estado que abriga aquela que foi conhecida como a maior colônia de portadores de hanseníase da América Latina, ? a Santa Izabel, em Betim, Grande BH ?, estima-se que há mais remanescentes desse mal do que qualquer outra parte do país. Somente em Betim, há 800 pessoas que tiveram hanseníase e ficaram isoladas na colônia. Em 2010, foi entregue ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva o dossiê preliminar A história dos filhos órfãos de pais vivos, que relata a saga dessas crianças. Caçada e segregaçãoDesde 1920, o Brasil adotava a política do isolamento para os infectados pela doença. Durante o governo Getúlio Vargas, o combate ao mal se tornou sistemático. ?O objetivo era formar uma rede de colônias estruturadas. Os doentes eram denunciados às autoridades, caçados nas ruas e em casa, tinham a família perseguida e, enfim, eram compulsoriamente isolados e considerados uma ameaça à integridade social?, conta o coordenador nacional do Morhan, Artur Custódio. ?Eram também considerados, muitas vezes, o lixo da sociedade?, completa. Apesar de, na década de 50, ter-se reconhecido mundialmente que a doença não era contagiosa, o Brasil manteve a política até 1986. ?Os filhos dessas pessoas sofreram todo o mal possível: muitos foram espancados, maltratados, violentados e até passaram fome. Alguns morreram nas casas para as quais foram levados e de outros não temos mais notícias?, destaca Artur, dizendo que, em 2007, o ex-presidente Lula sancionou a lei que indeniza com dois salários mínimos tanto os filhos quanto aqueles que sofriam da doença. ?O benefício simboliza reparos às violações sofridas por eles. O Japão foi o primeiro paí