Segunda geração da hanseníase quer reparação

Segunda geração da hanseníase quer reparação

Filhos Separados, documentário do Museu da Oralidade, traz histórias de descendentes de hansenianos criados como órfãos em educandários, onde sofriam de humilhação e maus tratos

 

Até a década de 1980, os portadores da hanseníase eram internados em colônias isoladas e, além da proibição de conviver com o mundo externo, eram impedidos de criar os próprios filhos. Amparada pela legislação, a situação criou uma geração estimada em 40 mil pessoas, que não tiveram contato com os pais na infância e foram levados para educandários conhecidos como preventórios. O documentário Filhos Separados traz histórias de filhos de hansenianos do interior de Minas Gerais que, depois de anos de desconhecimento sobre os próprios pais, acabaram, mesmo que superficialmente, reatando o contato, mas ainda enfrentam a discriminação da comunidade.

Os preventórios recebiam centenas de crianças de várias idades, que eram criadas por irmãs de caridade. Fruto do desconhecimento da época sobre a doença – hoje sabe-se que o tratamento impede o contágio e que a contaminação depende de uma série de fatores muito além do simples contato físico -, os educandários são retratados como locais de maus tratos aos filhos dos hansenianos. As denúncias vão desde a adoção não registrada de crianças como empregados domésticos em famílias desconhecidas até castigos físicos, humilhações e regimes de trabalho pesados. 

A memória da doença no Brasil é uma das lutas do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), entidade que reúne ex-doentes, filhos e médicos em busca de reparação pela violação de direitos humanos causada pelo isolamento compulsório dos doentes. Muitos dos descendentes de ex-internos das colônias (a chamada segunda geração da hanseníase) jamais reencontraram a família. Alguns empreenderam buscas por várias colônias e, com o apoio do Morhan, voltaram ao convívio com os pais biológicos, embora não tenham reconquistado a afetividade. 

Existe um grande movimento de reintegração, comandado pelo Morhan, que usa de documentos de hospitais e educandários, para tentar descobrir onde irmãos e filhos de atingidos pela hanseníase foram parar. Até um banco de DNA para exames de paternidade está sendo planejado, para casos em que a documentação não traz dados suficientes. Os ex-moradores das colônias conquistaram durante o governo Lula indenização pelos danos sofridos no período de internação. O Morhan agora defende que o benefício seja estendido para os filhos criados em preventórios.

Minas Gerais teve cinco colônias de hanseníase, nas cidades de Três Corações, Betim, Ubá, Bambuí e Sabará. Elas funcionavam como espécie de cidades autônomas, com diversos serviços prestados pelos próprios internos. Em Minas, a internação compulsória acabou em 1986.

O documentário Filhos Separados é dirigido pelos pesquisadores Paulo Morais e Andressa Gonçalves, do Ponto de Cultura Museu da Oralidade, de Três Corações. O projeto foi vencedor do Prêmio Cultura e Saúde, do Governo Federal.