26 de abril de 2006

26 de abril de 2006

O drama da hanseníase – Parte II

Na opinião de Souza, há falhas na maneira de informar a população sobre a doença e na identificação dos casos. “As campanhas devem ser mais bem focadas e com linguagem mais compreensível”, defende. E, quanto ao diagnóstico, também há buracos graves. Hoje, teoricamente, ele pode ser feito em postos de saúde. O problema é que a maioria dos médicos pouco sabe da doença. “Muitos saem das faculdades sem ter visto um paciente”, afirma Mary Lise Marzliak, da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo. Para piorar, a enfermidade recebe apenas de quatro a oito horas de atenção durante os seis anos do curso de medicina. E sintomas como alterações de sensibilidade na pele fazem parte da lista de sinais de outras patologias, como a diabete. Portanto, cair na armadilha de um diagnóstico errado é fácil. Não há também uma rede eficiente para detecção da cadeia de transmissão da doença. Uma prova disso é o fato de que 10{79cc7c547c82c26ee96fc2fefb6afbdee3eadc00daef34e76e11ca91d3e5e06b} dos novos casos registrados são de crianças. O índice mostra que os pequenos estão convivendo com muitos adultos não tratados, o que revela a existência de redes de contágio desconhecidas das autoridades públicas. A situação demonstra também que, ou as crianças não estão tendo acesso ao sistema de saúde ou, se chegam a ser atendidas, o atendimento não é correto.Isolamento – O governo brasileiro reconhece que a lição de casa ainda não foi feita. E credita as falhas à falta de estrutura do programa de eliminação de hanseníase observada principalmente na década de 90. De acordo com Jarbas Barbosa, secretário nacional da Secretaria de Vigilância em Saúde, o atendimento feito apenas em alguns postos e a ausência de campanhas de informação ajudaram a negligenciar a doença. “Mesmo nos municípios onde a incidência era alta, a assistência era precária”, afirma. Segundo o secretário, o programa passou por uma reformulação a partir de 2003, que incluiu a abertura de postos de atendimento e treinamento dos profissionais para que eles fiquem aptos a identificar casos da doença. Além disso, garante que as cidades consideradas prioritárias são acompanhadas mais de perto pelo Ministério. “Em alguns Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, atingimos a meta de eliminação. Mas ainda temos muito a fazer”, admite o secretário.Paralelamente às dificuldades para controlar a doença, o País convive com outro drama causado pela ignorância que durante anos determinou os rumos do tratamento contra a hanseníase. Trata-se da delicada e urgente questão de como dar uma condição digna de vida aos antigos pacientes confinados ao longo de décadas no que se chamava de hospitais-colônias ou leprosários. Essas instituições foram criadas a partir do final da década de 20, período em que reinava no Brasil a tese de que os pacientes deveriam ser isolados da sociedade. Era a triunfante vitória do preconceito. As tais colônias eram verdadeiras cidades. Contavam com cinemas, escolas, delegacias e, é claro, segundo as regras da discriminação, até cemitérios próprios. Os pacientes eram procurados tal qual criminosos e ali aprisionados. As edificações eram fortificações com muros e portões intransponíveis, com direito à presença de um guarda sanitário. Era ele que saía à procura de fugitivos. E, já que a vida deveria correr entre os muros das colônias, muitos doentes ali se casaram e tiveram filhos. Imediatamente após o nascimento, porém, os bebês eram levados para orfanatos. Filhos e pais podiam se encontrar apenas duas vezes por ano.Essa política de exclusão durou até a década de 70. A partir de então, iniciou-se a implantação do tratamento feito nos postos de saúde. Seria ótimo se grande parte dos doentes tivesse para onde ir. Mas não tinha. Separados da família, do trabalho, durante anos, muitos se viram como crianças desprotegidas em meio a estranhos. Vários foram rejeitados, outros não se adaptaram à vida de liberdade. Sem outra opção, voltaram para as antigas colônias e

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O drama da hanseníase – Parte I

Parece um segredo de Estado, mas não é. A tragédia mais silenciosa do Brasil chama-se hanseníase – ou lepra ou mal de Hansen, do nome do cientista norueguês Gerhard Hansen, responsável pela identificação do bacilo causador da doença (Mycobacterium leprae), em 1873. Os números são escandalosos, suficientes para envergonhar e revoltar. No ano passado, foram registrados 38 mil novos casos, segundo o Ministério da Saúde. Os dados causam ainda maior indignação diante do desprezo das autoridades: o Brasil, cheio de recordes do bem (futebol) e do mal (juros, corrupção, pobreza), é o segundo país do mundo em número absoluto de pacientes, somando até agora cerca de 80 mil vítimas da enfermidade. Perde apenas para a Índia. Porém, nesse quesito, é preciso considerar que a Índia tem uma população cinco vezes maior do que a nossa. Além disso, os indianos conseguiram um feito memorável que nós, brasileiros, ainda não tivemos a capacidade de executar. Em termos proporcionais, eles derrubaram os índices da doença aos níveis considerados aceitáveis pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Isso significa que, lá, a média é de menos de um caso para cada dez mil habitantes. Por aqui, ainda amargamos a taxa de 1,47 paciente para cada dez mil pessoas. O Brasil é também o responsável (ou melhor, irresponsável) por 90{79cc7c547c82c26ee96fc2fefb6afbdee3eadc00daef34e76e11ca91d3e5e06b} dos casos desse mal infeccioso nas Américas.O alto índice dos casos no País indica uma negligência constante da vigilância sanitária. Até o acordo feito com a OMS em 1991, prevendo a eliminação da doença, o País não teve competência para assumir. Dos 122 países, apenas 14 – entre eles o Brasil – não cumpriram a meta e pediram uma prorrogação para 2005. Neste campo da vergonha, jogamos ao lado de Angola, Congo, República Centro-Africana, Índia, Madagascar, Moçambique, Nepal e Tanzânia. Mais uma vez, nada foi cumprido e adiou-se novamente o prazo, agora para 2006. E chegamos a 2006, ano de eleições em que tudo é possível, até o anúncio de promessas passageiras e ilusórias que servem de escada para candidatos tentarem chegar ao pódio.A doença, com cerca de quatro mil anos de registro no mundo, pode acarretar invalidez severa e permanente se não for combatida a tempo. O bacilo ataca a pele e os nervos, principalmente os dos braços e das pernas. Por isso, a hanseníase aparece na forma de manchas pálidas ou avermelhadas, dores, cãibras, formigamento e dormência nos braços, mãos e pés. Outros sinais são caroços, localizados principalmente nos cotovelos, mãos, face, orelhas e pés. A transmissão da bactéria se dá pelas vias aéreas ou pelo contato direto com as lesões na pele. No entanto, apenas uma das formas da doença é transmissível, e, mesmo assim, depois de intenso e prolongado contato com o infectado. O tempo de incubação da bactéria é longo: os primeiros sintomas surgem de dois a cinco anos após o contágio. O tratamento, se seguido corretamente, cura a doença. Não foi à toa, inclusive, que, entre 1985 e 2000, o número de casos tenha caído 90{79cc7c547c82c26ee96fc2fefb6afbdee3eadc00daef34e76e11ca91d3e5e06b} em todo o mundo. Em países desenvolvidos, como a França, a doença é praticamente inexistente. Por lá, há apenas 250 casos declarados. A terapia consiste no uso de antibióticos no período de seis meses a dois anos, dependendo do caso. Os remédios, doados pela OMS, são gratuitos – o que torna ainda mais doloroso o vexame diante dos constrangedores números brasileiros sobre a doença.Prioridade – Diante de tudo isso, é de se perguntar por que um país como o Brasil, orgulhoso de seu programa-modelo de controle da Aids, não consegue combater algo tão mais simples do que o HIV, um vírus que pode pregar peças na ciência com sua fantástica capacidade de mutação e ainda sem um remédio que o derrote definitivamente. Bem ao contrário da hanseníase. Nesse caso, se o paciente tomar apenas uma dose do tratamento, a bactéria deixa de ser transmissível. As respostas, como de hábito em muitos dos assuntos de sa

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